O Efeito Trump nos Fertilizantes: Como Tarifas Internacionais colocam em risco a cadeia do Agro e reforçam a importância das Cláusulas de Força Maior nos Contratos

A recente proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar novas tarifas sobre produtos importados — incluindo fertilizantes — acendeu um sinal de alerta em diversos setores da economia global. E no agronegócio brasileiro, no qual mais de 85% dos fertilizantes utilizados são importados, o impacto é direto.

Por se tratar de um mercado global altamente interdependente, o aumento no custo ou a dificuldade de importação desses insumos essenciais pode comprometer não apenas a produção agrícola em si, mas toda a estrutura contratual que sustenta a cadeia do agro, gerando atrasos, inadimplementos e prejuízos em cascata. Diante desse cenário, surge uma pergunta crucial: os contratos agrícolas estão preparados para lidar com esse tipo de instabilidade?


A Cadeia Contratual e os Reflexos de um Elo Rompido


No setor agropecuário, os contratos são interdependentes. Um contrato de compra de fertilizantes entre uma revenda e um fornecedor estrangeiro pode estar atrelado a contratos de fornecimento firmados com cooperativas e produtores rurais, que, por sua vez, já assumiram obrigações futuras — como a entrega da produção por meio de CPRs (Cédulas de Produto Rural) ou contratos de barter.

Quando há uma ruptura na cadeia de suprimentos, como a impossibilidade de importação de fertilizantes em decorrência de tarifas, embargos ou medidas fitossanitárias restritivas, toda a sequência contratual sofre os efeitos. O fertilizante que não chega compromete o plantio, que compromete a colheita, que compromete a entrega contratada — e o que era uma falha logística torna-se, rapidamente, um litígio jurídico.


Embargos, Tarifas e Medidas Restritivas: Impactos Jurídicos Reais


Eventos como sanções internacionais, restrições à importação, barreiras fitossanitárias e tarifas comerciais inesperadas são, por natureza, situações externas e imprevisíveis. Mas, do ponto de vista contratual, isso não significa automaticamente que haverá exclusão de responsabilidade ou flexibilização de prazos e penalidades.

Tudo depende do que está previsto no contrato — especialmente na chamada cláusula de força maior.

A ausência de previsão expressa de eventos como esses, ou a presença de cláusulas genéricas que não refletem a complexidade do comércio internacional de insumos, pode deixar o produtor ou a empresa do agronegócio desprotegidos juridicamente.


O que fazer para se blindar nessas ocasiões?


A resposta jurídica à instabilidade na importação de insumos agrícolas— e à insegurança contratual que ela gera — passa, essencialmente, pela formulação técnica e estratégica das cláusulas de força maior.

Em um setor cada vez mais globalizado como o agronegócio, não basta que o contrato reconheça a existência de eventos imprevistos. É fundamental que ele saiba traduzir, com precisão, quais são esses riscos e como devem ser tratados.

A cláusula de força maior não pode mais ser vista como um apêndice genérico dos contratos agrícolas. Ela deve ser estruturada como um verdadeiro mecanismo de defesa jurídica, capaz de proteger o produtor, a cooperativa ou a agroindústria diante de acontecimentos que extrapolam sua vontade e controle — como sanções internacionais, tarifas comerciais ou embargos logísticos.

Para isso, recomenda-se que as cláusulas de força maior:

● Identifiquem expressamente eventos ligados ao comércio internacional, tais como “tarifas sobre insumos agrícolas”, “restrições à importação de fertilizantes” ou “embargos comerciais impostos por autoridade estrangeira”;
● Prevejam a suspensão ou revisão das obrigações contratuais enquanto perdurar o evento de força maior, inclusive com redefinição de prazos e exoneração de penalidades;
● Estabeleçam regras claras de notificação, para que a parte afetada informe tempestivamente o fato e justifique a aplicação da cláusula;
● Prevejam obrigações de mitigação dos efeitos, como a busca por fornecedores alternativos ou soluções logísticas emergenciais;
● Permitam o reequilíbrio contratual, especialmente em contratos de longa duração ou com entregas programadas.

Além disso, é crucial que essas cláusulas estejam replicadas e compatibilizadas ao longo de toda a cadeia contratual. De nada adianta que o contrato com o fornecedor internacional de fertilizantes preveja força maior se os contratos subsequentes — com os produtores ou compradores da produção — permanecerem rígidos e inflexíveis.

Portanto, a blindagem contratual no agronegócio não depende apenas de cláusulas bem escritas, mas sim de uma arquitetura contratual integrada, construída com visão de cadeia e orientada à gestão de riscos reais.

Nesse contexto, a cláusula de força maior deixa de ser acessória e passa a ser pilar jurídico central para proteger o negócio rural em um mundo marcado por tensões políticas e comerciais internacionais.


Conclusão


Tradicionalmente, o agronegócio brasileiro se prepara para lidar com os riscos climáticos: secas, chuvas intensas, geadas e outras intempéries naturais. No entanto, o cenário atual evidencia que as ameaças à produção e à segurança contratual vão muito além do céu. Com a intensificação das interdependências globais, o Direito Internacional Contratual passou a ocupar um papel cada vez mais presente nas dinâmicas do agronegócio, refletindo-se em tarifas, embargos, sanções comerciais e restrições fitossanitárias — fatores que hoje representam riscos tão relevantes quanto as próprias condições do solo ou do clima.

Afinal, já não basta conhecer apenas a legislação brasileira ou os acontecimentos locais: o produtor rural é cada vez mais exigido a atuar de forma multidisciplinar e com visão global, integrando o jurídico ao comercial, o campo ao mundo.

Quando decisões políticas e comerciais tomadas no exterior afetam diretamente a disponibilidade e o custo dos insumos agrícolas com alto fluxo de importação — como os fertilizantes —, não estamos mais diante de um problema logístico, mas de um desafio jurídico estratégico. E é justamente por isso que a cláusula de força maior ganha papel central: ela precisa estar calibrada, específica e alinhada à complexidade da cadeia agroindustrial, para que cumpra sua função de proteger os agentes do setor.

Blindar juridicamente os contratos do agro não é mais um diferencial — é necessidade urgente em um mundo onde o campo brasileiro é cada vez mais sensível às decisões tomadas além de suas fronteiras. O produtor que entende isso e age preventivamente, com assessoria jurídica especializada, está não apenas protegendo sua lavoura — está garantindo a continuidade de todo o seu modelo de negócios.


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Mateus Lanfernini
Mateus Lanfernini é advogado (OAB/MG 222.324), pós-graduado em Direito Internacional Público e Privado e pós-graduando em Direito Empresarial. Atua com enfoque na consultoria jurídica estratégica e na estruturação de negócios, especialmente em contextos que envolvem relações contratuais complexas e operações com elementos internacionais. Com postura técnica e visão empresarial, oferece soluções jurídicas precisas, seguras e alinhadas aos objetivos comerciais dos clientes. mateus@gomesesalviano.com.br | (31) 9833-7570
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Mateus Lanfernini é advogado (OAB/MG 222.324), pós-graduado em Direito Internacional Público e Privado e pós-graduando em Direito Empresarial. Atua com enfoque na consultoria jurídica estratégica e na estruturação de negócios, especialmente em contextos que envolvem relações contratuais complexas e operações com elementos internacionais. Com postura técnica e visão empresarial, oferece soluções jurídicas precisas, seguras e alinhadas aos objetivos comerciais dos clientes. mateus@gomesesalviano.com.br | (31) 9833-7570

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